O secretário-executivo da Associação dos Amigos da Criança (AMIC) manifestou a sua preocupação com o regresso progressivo de crianças talibés às ruas da cidade Bissau, com atitude muito mais agressiva, sem se importar com os riscos que correm.

Em entrevista ao Nô Pintcha, Laudolino Carlos Medina informou que há uns anos, houve casos de acidentes de viação, provocados por crianças talibés, na via pública.

A propósito, a sua organização chamou a atenção ao Comité Nacional para Prevenção e Combate ao Tráfico dos Seres, no sentido de tomar medidas necessárias para pôr fim a esta prática.

Em relação ao envio de crianças ao Senegal para efeito de estudos corânicos, Medina lembrou que este aspeto tem constituído preocupação da AMIC desde 2005, informando que, em média, das sete mil crianças talibés, que se encontram naquele país, 30 por cento são da Guiné-Bissau.

“A partir daquela data, a AMIC, em articulação com os seus parceiros, desencadeou série de ações, com o objetivo de identificar esses menores, e depois prosseguir com o processo de retorno e reintegração às respetivas comunidades”, explicou.

Indicou que de 2019 para cá, a organização conseguiu reintegrar 802 crianças resgatadas do Senegal para a Guiné-Bissau.

Laudolino Medina afirmou, por outro lado, que houve momento em que se reduziu “drasticamente” a presença das crianças mendigas nas avenidas de Bissau, graças à intervenção do Presidente da República.

Perante esse facto, Medina explicou que as organizações que trabalham em defesa dos direitos de menores, sob coordenação do Instituto da Mulher e Criança, fizeram concertação no sentido de acompanhar a declaração do Chefe de Estado, dando uma resposta mais balística.

Passado o tempo, segundo aquele responsável, aquela dinâmica do acompanhamento quebrou, devido à campanha eleitoral das últimas legislativas. “E depois das eleições, as agendas e prioridades políticas também requerem uma outra dinâmica, razão pela qual até então tudo está assim”.

Aliás, disse que a questão de crianças talibés é um fenómeno real na Guiné-Bissau, embora esteja intimamente ligada à religião muçulmana. “AMIC não está contra aprendizagem da língua árabe desde que não coloque as crianças em situação de vulnerabilidade e de risco nas ruas”.

Metodologias de seguimento 

Laudolino Medina informou que, neste momento, os animadores da AMIC já identificaram cerca de 21 crianças que, a pedido das próprias famílias, pretendem regressar ao país e cujo processo já está em preparação.

No que concerne ao seguimento de crianças reintegradas nas comunidades, após a identificação, utiliza-se oito metodologias, sendo os principais a triagem do perfil e a análise da possibilidade da sua reintegração local.

“Só em caso de resultado ser negativo é que as crianças são retornadas ao país de origem, uma vez que nem todos os casos requerem o mesmo tratamento”, sublinhou.

Neste sentido, Medina esclareceu que depois de devolver crianças em idade menor às respetivas famílias, a AMIC toma iniciativa de financiar seus estudos nas escolas corânicas e/ou públicas.

“A nossa organização responsabiliza, também, pela capacitação de famílias, de forma a tornar a reintegração das referidas crianças mais fácil possível”, salientou.

No âmbito do seguimento, indicou que a sua organização e o Instituto da Mulher e Criança, em parceria com um projeto de Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, já identificaram as necessidades para proceder ao acompanhamento de 51 crianças retornadas ainda neste mês de julho.

Medina disse que suportar as crianças não é fácil, e constitui um desafio permanente, devido à falta de continuidade de alguns projetos enquanto os objetivos da AMIC continuam em pé. Perante esses factos, disse, o Governo e outros parceiros técnicos precisam assumir suas responsabilidades.

Sem apoio do Governo

O secretário-executivo da AMIC revelou que foi validado o quarto Plano Nacional para Prevenção e Combate ao Tráfico dos Seres Humanos, cuja implementação requer financiamentos do Governo e das organizações das Nações Unidas, nomeadamente Unicef, ONUDC, OIM, entre outros.

Questionado se a AMIC conta com o apoio do executivo na implementação dos seus projetos, Laudolino Medina respondeu que aquela organização não recebe apoio financeiro do Governo com frequência, lembrando que entre 2005 e 2014, beneficiava mensalmente de 500 mil francos CFA, ajuda que viria a ser cortada sem justificação formal.

“Mesmo assim, continuamos a trabalhar tecnicamente com o executivo, uma vez que, de vez em quando, o próprio Governo envia crianças para o nosso centro de acolhimento”, explica.

Medina sublinhou que não é fácil estabelecer um orçamento para o suporte das necessidades das crianças, porque cada ação tem a sua exigência.

Entretanto, aproveitou a ocasião para apelar ao Chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, a usar a sua magistratura de influência, com vista a acelerar o processo de entrada em vigor da Política Nacional de Proteção e Integração das Crianças e o respetivo Plano de Ação.

A finalizar, lembrou que, paralelamente, está o Código na ANP a aguardar agendamento, um instrumento que harmoniza todos os pacotes de leis que visam a proteção e promoção dos direitos das crianças.

Jornal Nô Pintcha