A presidente do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e Criança (CNAPN) afirmou que mais de 50 por cento das mulheres de idade compreendida entre 15 e 49 anos, continuam a ser vítimas da excisão.

Em entrevista ao Nô Pintcha, Marliatu Djaló Condé justificou que, nos últimos anos, o Ministério Público tem sido muito moroso, sobretudo na aplicação das leis em relação aos inúmeros casos que deram entrada na polícia e que foram encaminhados para aquela instância judicial, não havendo nenhum tratamento processual.

Aquela responsável assegurou que a Polícia Judiciária (PJ) é uma parceira fiel, assim como o Ministério do Interior, através da Guarda Nacional (GN) e da Policia de Ordem Pública (POP), pelo que tem havido uma colaboração muito pontual em diferentes zonas do país.

Djaló Condé lembrou que existe uma lei, conhecida como Lei 14, que prevê penas de prisão que variam entre um a cinco anos para as pessoas condenadas à prática de mutilação genital feminina (MGF), e também para aquelas que levam as meninas às “fanatecas”. A referida norma foi aprovada pelo parlamento, e que viria a promulgada em 5 de julho de 2011, pelo falecido Presidente da República, Malam Bacai Sanhá.

A presidente do CNAPN afirmou que, mesmo com essa lei, a prática do fanado de mulher continua a registar-se no país de forma clandestina. Lembrou do último caso que aconteceu com a menina Binta, de seis anos de idade, que foi infibulada e teve graves problemas de saúde.

Sobre esse caso, a presidente do CNAPN disse que a organização que dirige diligenciou bastante para evacuação desse menor para Portugal, no sentido de receber um tratamento médico mais especializado.

Por outro lado, aquela responsável alertou à sociedade guineense, de que a problemática da mutilação genital feminina interpela cada cidadão, independentemente das crenças religiosas ou da cultura étnica, e é preciso encarar esse mal como um problema social e uma ameaça à saúde pública.

Zona de maior prevalência

Entretanto, Marliatu Djaló Condé revelou que os indicadores apontam que a zona de maior prevalência da excisão é a Região de Gabu, com cerca de 97 por cento, seguida de Bafatá, Oio, Quinará, também com índices elevados.

Questionada o que é que o CNAPN tem estado a fazer para pôr fim a essa prática que agora se faz de forma clandestina, Condé disse que o Comité está a trabalhar mais na questão da prevenção, um método, segundo ela, mais importante e eficaz para a organização, sensibilizando para não se excisar, ao invés de descobrir e julgar os casos de pessoas excisadas.

Acrescentou que o CNAPN tem estado a desenvolver campanhas de sensibilização, denominadas “Diálogos Comunitários”, que é a base do trabalho, através de sessões de “Djumbai” a nível das tabancas, em todo o território nacional. Igualmente, desenvolver ações de consciencializações, com diferentes atores, desde líderes tradicionais e religiosos (imames e professores corânicos), chefes das tabancas, régulos, entre outros.

“Ultimamente, o Comité tem estado a desenvolver o empoderamento das jovens meninas, sobretudo na perspetiva de escolarização, porque a prevenção da mutilação genital feminina precisa passar numa visão multissetorial, como na educação, na saúde e na justiça e, sobretudo, na liderança juvenil”.

De igual modo, disse ela, a organização tem vindo a apoiar meninas em diferentes comunidades, com recursos para que possam estudar, com intuito de dar seguimento aos seus estudos, para que elas possam desenvolver os seus potenciais em termos da liderança e da participação social.

“Ultimamente, temos vindo a trabalhar nesse sentido, desenvolvendo ações, como a educação parental, que consiste no seguimento e apoio às jovens casais, no sentido de prevenir violências com base no género, desde doméstica, abusos sexuais, como forma de prevenir que crianças que nascem desses casamentos não sejam excisadas”, disse Djaló Conté.

Por outro lado, a presidente do CNAPN à Saúde da Mulher e Criança afirmou que a organização tem estado a desenvolver ações desse género, assim como a campanha de massa. Lembrou que recentemente promoveu um encontro que chamou de “Caravana de Cinema”, cujos trabalhos iniciaram em Bissau e terminaram nas cinco setores que compõem a Região de Gabu, onde transmitiram às populações daquelas localidades mensagens que visam pôr fim à mutilação genital feminina.

Entretanto, Marliatu Djaló Condé aproveitou a ocasião para realçar a importância das médias durante esse processo de mudança de comportamento das pessoas para acabar com a MGF.

Apoio dos parceiros

A presidente do CNAPN afirmou que as organizações internacionais na Guiné-Bissau, como o Unicef e outras, na qualidade de parceiros na luta contra as prática nefasta, têm estado a dar um grande apoio.

Marliatu Djaló Condé lamentou o facto da sua organização, enquanto instituição pública, mas não beneficia de nenhum fundo no quadro do Orçamento Geral do Estado. Nós financiamos algumas ações, através de apoio dos parceiros internacionais de desenvolvimento”.

Acrescentou que há mais de 10 anos que o CNAPN tem estabelecido uma parceria fiel com o programa conjunto do Sistema das Nações Unidas, através do Unicef e do FNUAP, nessa luta contra a MGF e outras práticas tradicionais nefastas.

Por outro lado, afirmou que, recentemente, a organização que dirige beneficiou do apoio da União Europeia, um gesto que qualificou de inédito e histórico”, na implementação das ações que visam acabar com a mutilação genital feminina.

Entretanto, Marliatu Djaló Condé disse que o CNAPN está a trabalhar com o Banco Mundial desde 2022 e essa instituição têm dado apoio direto às ações de diálogos comunitários, nomeadamente nas zonas de Farim.

Outrossim, a Plan Internacional tem desenvolvido projetos transfronteiriços, com a colaboração do Comité, nessa zona, em assuntos da mutilação genital.

No seu entender, esse não é um fenómeno exclusivamente da Guiné-Bissau, mas sim, um problema mundial, na qual todos têm que se empenhar para a sua radicação.

De salientar que a maior parte da população, as autoridades e organizações da sociedade civil guineenses dizem que a mutilação genital feminina é um mal, o que fez com que, em 2011, uma lei contra a prática fosse aprovada pela Assembleia Nacional Popular, conhecida como lei 14, de 5 de julho. Apesar de entrada em vigor do documento, há ainda resistências por parte dos praticantes.

No passado, antes da existência da lei, a prática era feita de forma aberta, que até chegava a juntar, numa ‘barraca’, mais de 100 crianças.

Consequências da mutilação genital feminina

De acordo com alguns especialistas na matéria, a mutilação genital feminina refere-se aos procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos ou qualquer outra lesão nos órgãos genitais das mulheres sem justificação médica.

Tradicionalmente, a excisão é feita com uma lâmina e sem qualquer anestesia. Apesar de ser reconhecida como uma violação dos direitos humanos, cerca de 68 milhões de raparigas correm em risco de sofrer mutilação genital até 2030.

A mutilação genital feminina concentra-se principalmente em 30 países na África e no Médio Oriente, mas também é praticada em alguns países asiáticos e da América Latina e ainda entre comunidades que provêm destas regiões.

É maioritariamente exercida em raparigas, entre a infância e os 15 anos. A tradição baseia-se numa mistura de razões culturais e sociais, como pressão social e convenção, crenças religiosas e ideias de beleza e pureza. A prática antecede os tempos do surgimento do Cristianismo e do Islão e reflete desigualdades entre os sexos, bem sedimentadas nestas sociedades.

Jornal Nô Pintcha